Security by Design — ou “segurança desde o design” — uma abordagem que visa garantir que softwares e dispositivos sejam desenvolvidos com segurança integrada desde o início.
Neste artigo, exploraremos o conceito com base no documento Shifting the Balance of Cybersecurity Risk, desenvolvido por organizações como CISA, FBI, ACSC, CCCS e BSI.
Abordaremos os princípios fundamentais do Security by Design e as diretrizes centrais da iniciativa Secure by Design Pledge, liderada pela CISA.
Apresentaremos também um panorama das ações práticas para implementar essa abordagem, seus principais benefícios para empresas e usuários, e os desafios mais recorrentes.
1. O que é Security by Design
Security by Design é uma prática que prioriza a segurança desde as fases iniciais de concepção e desenvolvimento de softwares e dispositivos, evitando vulnerabilidades futuras.
Ao invés de aplicar correções reativas após o lançamento, os fabricantes que adotam essa abordagem desenvolvem, testam e implementam produtos com defesas integradas contra ciberameaças.
Essa filosofia supera antigos padrões da indústria, com o objetivo de minimizar falhas exploráveis antes que o produto chegue ao mercado.
Desse modo, essa abordagem contribui para a proteção não apenas dos clientes, mas também de toda a cadeia de infraestrutura digital.
Empresas que adotam Security by Design aplicam boas práticas de codificação, autenticação forte, testes contínuos e modelagem de ameaças em todo o ciclo de desenvolvimento.
2. A iniciativa “Secure by Design Pledge” da CISA
Em 2023, a CISA (Cybersecurity and Infrastructure Security Agency) lançou uma iniciativa ambiciosa: o Secure by Design Pledge.
Trata-se de uma campanha voluntária que incentiva fabricantes de software a integrarem medidas de segurança como parte do desenvolvimento padrão de seus produtos.
Organizações que assinam o compromisso devem:
- Implementar ações mensuráveis em até 1 ano;
- Aumentar o uso de autenticação multifator (MFA);
- Eliminar senhas padrão e adotar políticas de senhas seguras;
- Reduzir classes inteiras de vulnerabilidades com boas práticas de engenharia;
- Criar políticas claras de divulgação de vulnerabilidades;
- Fornecer dados precisos sobre CVEs (vulnerabilidades conhecidas);
- Incentivar atualizações rápidas de segurança por parte dos usuários;
- Detectar e responder a incidentes de forma automatizada e integrada.
Essa iniciativa promove boas práticas de desenvolvimento, fortalece a confiança dos usuários e estimula transparência e responsabilização entre as empresas que aderem ao compromisso.
3. Princípios fundamentais do Security by Design
A base do Security by Design está em três princípios centrais que guiam o desenvolvimento seguro de software:
- Menor privilégio: cada usuário, sistema ou processo deve ter acesso apenas ao necessário para cumprir sua função, reduzindo o impacto de falhas e ataques. Isso inclui o uso de gestão de acessos rigorosa, autenticação forte e revisões frequentes de permissões;
- Separação de funções: responsabilidades críticas são divididas entre diferentes atores ou sistemas, evitando que uma única entidade tenha poder excessivo. No desenvolvimento, codificação, testes e implantação são feitos por equipes diferentes, garantindo controle cruzado e reduzindo o risco de alterações maliciosas ou não autorizadas;
- Defesa em profundidade: nenhum mecanismo de segurança é infalível. Por isso, Security by Design aposta em camadas múltiplas de proteção, incluindo firewalls, sistemas de detecção de intrusos, monitoramento contínuo, criptografia, testes automatizados e atualizações.
4. Como implementar o Security by Design?
Implementar segurança desde o design exige uma mudança significativa de mentalidade e práticas dentro das equipes de desenvolvimento.
Veja abaixo como essa abordagem se traduz na prática.
I. Planejamento de ameaças desde o início
Utilize threat modeling para antecipar os possíveis vetores de ataque ainda nas fases iniciais do projeto.
Isso permite a criação de arquiteturas que já contemplam defesas contra os cenários identificados.
II. Codificação segura
Aplicar práticas recomendadas como:
- Validação de entradas do usuário;
- Evitar senhas e segredos hardcoded;
- Preferir bibliotecas e frameworks seguros;
- Seguir as diretrizes do OWASP Top 10.
III. Testes de segurança integrados
Executar os testes SAST e DAST ao longo do ciclo de vida.
Isso garante que vulnerabilidades sejam descobertas e corrigidas ainda na fase de desenvolvimento, evitando problemas críticos em produção.
IV. Gestão de vulnerabilidades e patches
Manter um processo ativo de identificação e correção de vulnerabilidades conhecidas, com canais claros para divulgação de falhas e atualizações ágeis para o usuário final.
V. Autenticação e autorização robustas
Incluir MFA, políticas de senha forte e acesso baseado em papéis ou políticas (PBAC), garantindo que o controle de acesso seja granular e eficaz.
VI. Criptografia forte e proteção de dados
Criptografar dados em repouso e em trânsito com algoritmos como AES e RSA, gerenciando as chaves de forma segura e auditando os processos regularmente.
5. Principais benefícios do Security by Design
Adotar Security by Design oferece ganhos tangíveis para todas as partes envolvidas.
Confira a seguir os principais benefícios para empresas de desenvolvimento e e usuários finais.
5.1 Para os provedores de software
- Redução de custos a longo prazo, com menos necessidade de correções emergenciais e gerenciamento de crises;
- Maior conformidade com regulamentações, como a LGPD, GDPR ou o Cyber Resilience Act;
- Reputação fortalecida ao mostrar comprometimento real com segurança;
- Acesso a novos mercados, especialmente os que exigem critérios de segurança elevados, como setores governamentais ou de infraestrutura crítica.
5.2. Para os usuários finais
- Maior proteção de dados pessoais e corporativos;
- Melhor desempenho e estabilidade, com produtos menos sujeitos a falhas ou indisponibilidade;
- Redução de riscos operacionais, como ransomware, phishing ou exploração de falhas;
- Experiência digital aprimorada, com segurança aplicada de forma invisível e fluida.
6. Desafios na adoção do Security by Design
Apesar dos benefícios, a implementação de Security by Design enfrenta obstáculos que exigem planejamento:
- Mudança cultural: equipes de desenvolvimento precisam adotar a segurança como parte essencial do produto, e não como uma etapa posterior;
- Conflito entre usabilidade e segurança: medidas robustas de proteção não podem degradar a experiência do usuário;
- Infraestruturas legadas: sistemas antigos frequentemente não foram projetados com segurança em mente, o que dificulta sua atualização;
- Cenário de ameaças dinâmico: a segurança precisa evoluir continuamente com novas técnicas, exploits e vetores de ataque;
- Escassez de profissionais qualificados: há uma lacuna global na formação de engenheiros com foco em cibersegurança e desenvolvimento seguro.
7. Conclusão
Security by Design representa uma mudança de paradigma na forma como a indústria encara a segurança cibernética.
Ao antecipar riscos e tratá-los ainda no estágio de design, é possível romper com a cultura de remediação e construir soluções resilientes e confiáveis por padrão.
A adoção do Secure by Design é uma decisão estratégica e um gestão de responsabilidade com clientes, mercado e o ecossistema digital como um todo.
O futuro da cibersegurança não será apenas sobre reagir a ameaças, mas sobre preveni-las de forma sistemática, arquitetônica e colaborativa.
E isso começa onde tudo se inicia: na concepção e desenvolvimento de softwares e dispositivos.